O futebol não é o redentor da sociedade

Renato Veltri

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Voltamos no tempo! Mais uma vez o Corona Vírus nos faz ter que voltar a discutir a respeito de distanciamento social mais rígido, lockdown, etc… Quando tudo estourou, foi certo consenso dentro e fora do futebol que devíamos parar o esporte junto com todo o resto das atividades econômicas.

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Também pudera, estávamos em um momento de incerteza enorme. Não haviam dados nem mesmo para se criar um protocolo minimamente seguro para o andamento do velho esporte bretão.

Passou-se o tempo e com ele a urgência dos clubes (capitaneados pelo Flamengo) para que pudessem voltar a jogar e com isso destravar verbas de televisão sem as quais os clubes ficam absolutamente estrangulados. O Flamengo fez o papel de principal vilão e o Botafogo tentou sair com o grande herói. Curioso que a postura “não importa o dinheiro” tenha vindo justamente do clube que com ou sem pandemia não honra seus compromissos financeiros.

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E então o Campeonato Carioca voltou e com ele uma avalanche de críticas à volta e ao Flamengo que foi visto como o patrocinador dessa volta precipitada. De um lado, os clubes e a CBF diziam que seu protocolo era 100% seguro. De outro a imprensa lembrava “protocolo não é vacina.”

Acontece que boa partes das críticas feitas à volta do futebol eram meramente morais, pouco se tratavam de questões médicas. Vi, por exemplo, jornalistas que disseram que era absurdo que jogadores estivessem comemorando gols no Maracanã ao lado do hospital de campanha onde haviam pessoas morrendo.

O futebol continuou, tivemos clubes com surto da doença e terminamos a temporada. Logo depois voltamos a ter um aumento enorme de mortes e a discussão a respeito da parada do futebol voltou a ganhar força principalmente após a entrevista do treinado Lisca Doido e da decisão do Governador João Dória de paralisar o Campeonato Paulista.

De maneira diversa ao que aconteceu no ano passado, já há uma compreensão maior do vírus e um protocolo estabelecido. Ainda assim a pressão midiática em prol da paralisação do futebol é enorme. É evidente, futebol não é atividade essencial e por isso deve fazer sua parte para segurar o avanço da pandemia.

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Acontece que nesse momento se contrapõem números fornecidos pela CBF que demonstrou que apenas 1,7% dos envolvidos nos jogos testaram positivo na temporada que iniciou ano passado e findou nesta com argumentos puramente emotivos. Basta uma um simples acesso ao GloboEsporte.com e vemos coisas como “O futebol é um mundo egoísta”. Não se trata de o futebol interferir no número de casos de COVID-19 ou de comprovadamente deteriorar o estado de hospitais mas de apelar para a ideia de que “Como podem esses monstros sentarem na frente da TV para ter entretenimento enquanto morrem mais de 2 mil pessoas por dia?!”

Exige-se que o expectador de futebol abra mão de seu habito inofensivo de assistir futebol em prol da necessidade de que estejamos todos tristes 100% do tempo. Devemos sim olhar com tristeza o que está acontecendo mas não significa que não possamos ter o alívio semanal ao assistir o entretenimento favorito da maior parte da população.

O que acontece mais uma vez é a tentativa de se utilizar do futebol como a redenção da sociedade. A sociedade é machista ? Pois então apontem a diferença de investimento no masculino e no feminino e ataquem isso de maneira a ignorar todo o motivo econômico pra isso. A sociedade é racista e homofóbica ? Proponha-se que jogos sejam paralisados em caso de atitudes assim da torcida e até mesmo decretar a derrota do clube a qual a torcida pertence.

Isso acontece porque se pretende utilizar o futebol como o ideal de sociedade que queremos. Por seu tamanho, espera-se que ele eduque as pessoas, o que nunca foi e nem nunca será seu objetivo primário e nem mesmo secundário. Não importa o quanto a imprensa esportiva queira e tente forçar isso (acreditem, forçam bastante), nós espectadores vemos o futebol com paixão, com emoção mas como entretenimento, nunca como um curso de civilidade.

Por isso, se querem que o futebol seja paralisado, que apresentem números que desmintam os anteriormente demonstrados pela Confederação Brasileira de Futebol. Notem que não se trata de ausência de dados ou de dados impossíveis pela dificuldade de fazer a amostra (como seria, por exemplo, tentar demonstrar quantas pessoas que frequentam bares estão com COVID-19), mas de demonstrar o erro nos dados demonstrados.

Não pode ser o apelo emotivo o responsável por paralisar uma atividade que além de empregos também torna o dia a dia de milhões de pessoas mais suportável no Brasil e no Mundo. Mundo aliás que manteve o futebol acontecendo mesmo com a chegada da segunda onda na Europa. Os números e os riscos reais devem permear as decisões.

(Obs: trato neste texto exclusivamente da continuidade de campeonatos estaduais. A Copa do Brasil com seus deslocamentos longos para locais com infraestrutura precária não parece prudente neste momento).

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